terça-feira, 23 de abril de 2013



Sempre foi mais fácil pra mim ter fé em Jesus do que em Deus, eu posso perfeitamente entender um bom homem que viveu por amor aos seus irmãos, que lutou contra um mundo cruel para mudar a humanidade para sempre... Posso amar de todo meu coração um ser iluminado que se submeteu a um corpo denso e impuro apenas para ensinar a todos nós o significado da palavra amor... eu posso adorar com todas minhas forças um ser tão maravilhoso que apenas com sua vida pode mudar a história de todo um planeta... É fácil pra mim fechar os olhos e imaginar um Jesus amigo me confortando e chorando minhas lágrimas... Mas Deus ainda é um mistério em meu coração... Como explicar tanta fé e tanta confiança em Deus se jamais consegui entender sua natureza... o propósito de sua criação... É isso que sustenta nosso mundo, essa certeza de que não somos capazes de entender tudo, de explicar tudo... isso faz de nós seres humanos, que apesar de imperfeitos e que apesar de não conseguirmos nem mesmo explicar o que fazemos a cada novo dia de vida... ainda assim continuamos, seguimos, caminhamos sem trégua... Que força é essa que move nosso mundo... que força é essa que faz nascer luz mesmo em meio a tanta escuridão... Ironicamente eu acho que conheci melhor Jesus dentro do hospital com minha mãe... ironicamente foi lá que encontrei as pessoas de mais fé da minha vida... Lá, em meio a dor, sofrimento e morte eu e todos os outros nos escondíamos em Jesus, buscávamos nele a força que não tínhamos mais... e estranhamente encontrávamos... Lembro de ver tanta gente chorando naquela capela, olhando com desespero para aquela imagem amiga, lendo com sofrimento a grande Bíblia imponente em seu pedestal de mármore... e todos entravam aos pedaços e saiam inteiros... e quando nossos pedidos eram negados e a morte levava nossos entes queridos, como seres irracionais nós voltávamos lá e pedíamos aquele mesmo Jesus que havia tapado os ouvidos para nossos clamores que levasse os que partiam para um bom lugar, que amparasse e cuidasse dos que já não podíamos cuidar... Que força é essa que sustenta cada um de nós e mantem nossa fé mesmo quando tudo parece mostrar o contrário... Antes de entrar naquele hospital eu não imaginava o que era medo e sofrimento, não fazia a menor ideia de como a vida podia ser triste e dolorosa... Se você está lendo isso agora e acha que pode imaginar eu digo que não pode... só entende quem passa por aquela UTI, quem vive todos os dias a despedida, quem dorme todos os dias sem saber se no meio da noite o telefone vai tocar... Se você não passou por lá com certeza jamais entenderá o que estou dizendo e com certeza vai julgar minha fé e minha maneira de ver as coisas... Quando o corpo de minha mãe já não aguentava mais os procedimentos dolorosos, quando as máquinas me impediam de chegar perto, quando não tinha mais espaço em seu corpo para as agulhas e os fios... quando minhas orações eram interrompidas pelos gritos dos filhos e pais ao lado se despedindo das pessoas que amavam... quando eu chegava a cada dia e via um amigo despedaçado preenchendo os papéis do óbito... quando os corpos passavam por mim e eu já não tinha medo de olhar... quando aquele inferno se tornou parte de minha vida... foi aí que eu aceitei Jesus em meu coração e entendi que não importava entender Deus... nada mais importava... Só o que resta para nós que vivemos o câncer é a fé, ajoelhar diante daquele Jesus amigo e entregar a vida dos que amamos em suas mãos... ali somos impotentes e pequenos, somos insignificantes e só ali percebemos que essa vida é nada... Quando eu coloquei minha mãe dentro de um caixão, quando eu arrumei as flores em volta de seu rosto e permiti que fechassem aquela caixa eu lacrei ali com ela um pedaço de mim para sempre, aquela parte do meu coração que era inocente e acreditava que tudo era bonito queimou junto com seu corpo... quando o médico diagnosticou meu pai e no momento em que eu vi ele em uma UTI exatamente como minha mãe, aquele pedaço de mim já não existia mais, e foi com uma força que eu não sabia que tinha que eu me ajoelhei novamente diante de Jesus e pedi pela vida dele... Quando eu vi o caixão de minha amiga descendo na terra em baixo daquela grande árvore parte de mim já não lamentava aquilo tudo... a morte já fazia parte de minha vida como uma certeza dolorosa e inevitável... E eu acho que foi nesse espaço de tempo que eu aprendi a ter fé... foi nesse espaço de tempo em que Deus tirou de mim toda esperança e alegria que eu aprendi a confiar nele... não porque passei a entender o seu propósito, não porque passei a entender sua natureza... mas porque passei a entender a minha fraqueza, a minha falta de entendimento... porque passei a aceitar que não sou nada e aqui nesse mundo nunca vou ser... Existe algo maior que ainda não podemos ver, tem que existir algo que justifique tudo isso... E quando hoje eu deito e durmo, longe daquele hospital, longe daquela UTI, eu imagino a dor dos que ainda estão lá... sofro em imaginar que a cada minuto alguém está com certeza sentindo o que eu senti... e não me conformo em saber que a dor não acabou, que o pesadelo não passou... que a vida segue arrancando lágrimas de tanta gente... Eu acordo e durmo com meu pensamento em Jesus, tento carregar seus olhos comigo em todos os locais que vou, converso com ele, discuto, fico brava e peço perdão... quando fico triste sei que ele me abraça e quando consigo sorrir sei que ele sorri comigo... sou tão grata a ele por ter ficado com minha mãe naquele hospital quando eu não podia, sou grata por ele ter dado ao meu pai a chance de lutar, sou grata a ele por ter me ajudado a não enlouquecer... sou grata a ele por ter recebido minha amiga com alegria lá no céu... Eu sei que todos que partiram estão com ele agora e até sinto uma pontinha de inveja... Mas ainda não compreendo Deus, ainda sinto uma certa zanga quando tento entender Deus... ainda não perdoei ele por permitir que existam lugares como aquele... Sou grata por Ele ter me dado Jesus e sou grata por Ele permitir que abra meus olhos todos os dias... sou grata pelas minhas filhas e pelos diversos motivos que tenho para ser feliz... mas não consigo ser grata pelo horror que vivi com minha mãe, nem pelo medo que sinto de perder meu pai... nem pela ausência de minha amiga querida... Se é um resgate, um castigo, um aprendizado... eu realmente não sei... mas nada justifica tamanha dor e mesmo com fé em Deus eu ainda culpo a vida por tudo isso... E afirmar isso, colocar isso pra fora, expor isso a quem quiser saber faz eu me sentir mais forte, faz eu me sentir mais próxima Dele... Porque de alguma forma maluca eu sei que Ele não me julga por isso, não me condena por isso e não vai me abandonar por isso... Eu espero de coração que um dia eu possa encontrar um belo ser de luz que me olhe com a intimidade de um irmão e que me explique tudo isso e espero nesse momento poder iluminar esse pedacinho de meu coração que ainda vive na escuridão... mas por hora admitir que não consigo já me faz sentir melhor... Eu não sou boa o bastante, não tenho a fé suficiente pra isso... sou o que posso ser e faço o melhor que posso fazer... e é bom saber que Deus me ama mesmo assim... e que ele me deu Jesus para amar enquanto ainda não posso perdoar a vida...